O crédito concedido por instituição financeira e representado pela cédula de crédito bancário possui garantia fiduciária imobiliária e, com o desenvolvimento ordinário e esperável da relação obrigacional consistente no pagamento do numerário emprestado, a propriedade resolúvel cessará e a garantia não mais subsistirá. No entanto, caso haja inadimplemento por parte dos devedores fiduciantes, o credor pode dar início ao procedimento de execução para ver consolidada em suas mãos a propriedade plena do bem dado em garantia fiduciária e, posteriormente, aliená-lo para a satisfação da obrigação. É nesse contexto que a legislação de regência - art. 27, § 2º-B, da Lei n. 9.514/1997 - prevê o direito de preferência do devedor fiduciante quando da alienação do bem em hasta pública, após a consolidação da propriedade nas mãos do credor. Cuida-se do direito de preferência de o devedor fiduciante readquirir o bem do qual foi privado em virtude do inadimplemento e da consequente consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário.
Direito de preferência é aquele que confere a seu titular o exercício de determinada prerrogativa ou vantagem em caráter preferencial quando em concorrência com terceiros. Tal prerrogativa pode decorrer de lei, quando o legislador elege determinadas circunstâncias fáticas ou jurídicas que justificam que determinada pessoa pratique um ato ou entabule um negócio jurídico de forma prioritária ou precedente, ou ainda pode ter origem contratual, desde que não interfira na posição de terceiros estranhos à relação jurídica a quem a própria lei confira posição de vantagem. O legislador confere ao devedor fiduciante o direito de preferência na aquisição - rectius, reaquisição - do bem que já lhe pertencia e cuja privação decorra do inadimplemento de obrigação à qual se vinculava por garantia fiduciária.
Contudo, na circunstância presente, trata-se de alienação da carteira de crédito, na qual está incluído o crédito representado pela cédula de crédito bancário, de titularidade da instituição financeira, no concurso falimentar. Existe, portanto, significativa diferença entre o que dispõe a legislação de regência e a pretensão dos recorrentes. O que se defere ao devedor fiduciante é a preferência na aquisição do bem que lhe pertencia, ao passo que, no caso presente, pretende-se a aquisição do próprio crédito, da relação jurídica obrigacional, que possui garantia representada pela alienação fiduciária de bem imóvel.
O art. 843 e seu parágrafo estabelecem que, na hipótese de penhora de bem indivisível, há preferência do coproprietário ou cônjuge executado na arrematação do bem. Com isso, possibilita-se a penhora da integralidade do bem, ainda que o executado seja proprietário de uma fração ou quota-parte, evitando-se, a um só tempo, a dificuldade de alienação da quota-parte do devedor e a constituição forçada de condomínio entre o adquirente e o cônjuge ou coproprietário.
A situação contemplada pelo programa normativo mencionado difere substancialmente do caso dos autos. A garantia fiduciária não constitui nenhuma forma de copropriedade, mas transfere a propriedade do bem dado em garantia, ainda que sob condição resolutiva, ao credor fiduciário; o que há é o desmembramento da posse. No leilão realizado, o que ocorreu foi a transferência do crédito garantido e representado pela cédula de crédito bancário, inexistindo similitude que atraia a incidência da regra que garante o direito de preferência.
Acrescente-se, nesse sentido, que os dispositivos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) - arts. 4º e 5º - cuidam de critérios decisórios e interpretativos que não permitem conferir ao caso o resultado pretendido. Com efeito, não há falar em omissão legislativa capaz de autorizar a aplicação da analogia pelo simples motivo de que a preferência, quando existente, tem assento legal e, de certa forma, excepcional, porquanto estabelece casos especiais em que determinadas pessoas têm prerrogativas ou vantagens, e não há previsão do direito de preferência de devedores de obrigações garantidas por alienação fiduciária na aquisição de seu crédito levado à alienação em hasta pública.
Veja-se que, para o recurso à autointegração do sistema pela analogia, faz-se necessário que se estenda a uma hipótese não regulamentada a disciplina legalmente prevista para um caso semelhante. Com efeito, a regra prevista pelo ordenamento em casos como que tais é a alienação dos bens ou direitos em hasta pública para qualquer interessado que atenda aos editais de chamamento, orientando-se a disciplina processual civil expressamente nesse sentido. Ao não ser atribuída uma prerrogativa adicional aos emitentes de cédula de crédito bancário com garantia representada por alienação fiduciária de bem imóvel, conclui-se que não houve de fato omissão regulamentadora, senão a intenção legislativa de manter a regra geral nessas condições.
Ademais, permitir que os devedores fiduciantes adquirissem por valor inferior implicaria prejuízo a todos os demais credores da massa, que teriam diminuída a importância recebida após a realização do ativo.
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